O direito de pessoas transgêneras ao uso de banheiro no ambiente de trabalho

“[…] A obrigatoriedade de que pessoas transgêneras femininas usem banheiros masculinos de acesso público têm sido o estopim de graves violações de direitos humanos, inclusive na ambiência laboral, e servido de ensejo para reiteradas situações de assédio moral e sexual, bem assim de violência moral, psicológica e física, até estupros, conforme se depreende, a título exemplificativo, do cenário fático observado no Brasil, nos Estados Unidos e na Índia.

Daí se infere que a necessidade de se prevenirem os riscos fundados à integridade física, psíquica e moral das pessoas transgêneras, caso negada a possibilidade de usarem banheiros conforme a sua identidade de gênero, sobrepuja, em envergadura jurídica e sob o prisma da vulnerabilidade social, o desconforto apresentado por mulheres cisgêneras em compartilharem instalações sanitárias coletivas com transgêneras femininas (sexo biológico masculino e identidade psíquica feminina), sem que haja plausibilidade científica e verossimilhança fática de que as transgêneras femininas teriam a propensão de se valerem do uso de banheiros femininos como expediente para afrontarem a dignidade sexual tampouco para adentrarem a intimidade e a vida privada de mulheres cisgêneras.

Nessa ordem de ideias, assiste às trabalhadoras transgêneras femininas o direito de utilizarem, a seu alvedrio, o banheiro feminino ou o banheiro de gênero neutro, tal como assiste às pessoas transgêneras masculinas (sexo biológico feminino e identidade psíquica masculina) o direito de usarem, a seu talante, o banheiro masculino ou o banheiro de gênero neutro.

As pessoas transgêneras masculinas em processo de transição de gênero têm o direito de optarem também pelo banheiro feminino enquanto estiverem com a aparência e a compleição físicas femininas. Do mesmo modo, as pessoas transgêneras femininas em processo de transição de gênero têm o direito de optarem também pelo banheiro masculino enquanto estiverem com a aparência e a compleição físicas masculinas.

Por sua vez, assiste aos trabalhadores transgêneros sem identificação com os gêneros masculino e feminino o direito de escolherem o banheiro de acesso coletivo da sua preferência, seja o banheiro masculino, seja o banheiro feminino, seja o banheiro de gênero neutro.

São escolhas personalíssimas que cabe a cada pessoa transgênera livremente realizar em sua ambiência laboral.

Esse direito subjetivo dos trabalhadores transgêneros deflui (a) da isonomia material, (b) da discriminação positiva em favor de minorias sexuais e de gênero (tradicionalmente relegadas à margem da sociedade, cobertas por manto de invisibilidade, bem como de preconceitos, mitos e estereótipos negativos, a exemplo das pessoas transgêneras, cuja presença na ambiência laboral é acompanhada por olhares explícitos ou velados, por superiores hierárquicos, colegas e clientes, de censura, antipatia e zombaria e mesmo de atos expressos de agressão moral e sexual) e (c) da essencialidade de que seja assegurado o exercício dessas faculdades jurídicas, para que tais obreiros possam desempenhar suas atividades laborais em condições basilares de saúde integral, inclusive sob a óptica tanto da homeostase na regulação fisiológica quanto do bem-estar psicológico, em respeito à sua incolumidade física, moral e psíquica, bem assim ao direito fundamental à autodeterminação, à identidade sexual e de gênero, à honra, à imagem, à intimidade e vida privada, ao seu projeto de vida e a tratamento laboral congruente com o padrão mínimo de respeito à dignidade da pessoa humana.

Cabe às organizações em geral, vinculadas aos setores público e privado, o dever jurídico (a) de elas não só formularem e implementarem políticas e diretrizes internas de inclusão dos trabalhadores transgêneros no cotidiano organizacional, valendo-se de serviços especializados nas áreas de Gestão de Recursos Humanos, Psicologia Organizacional, Clínica, Social e do Trabalho, Serviço Social, Direito do Trabalho e Direitos Humanos, em que se devem inserir programas de formação e educação em valores e direitos humanos, bem assim de atendimento psicológico individual e em grupo, (b) como também de adaptarem suas dependências sanitárias, de sorte que os banheiros masculinos e femininos sejam acrescidos de compartimentos que aperfeiçoem quer a preservação do direito à intimidade e à vida privada tanto de pessoas cisgêneras quanto de pessoas transgêneras (como cabines e banheiros individuais), quer a disponibilidade de mecanismos de segurança pessoal em benefício de todos os usuários e usuárias de recintos sanitários (tais quais, botões de emergência), além de franquearem o uso, a critério de cada pessoa, de banheiros de gênero neutro. […]”

Leia o artigo completo: O direito de pessoas transgêneras ao uso do banheiro em ambiente laboral: considerações críticas sobre acórdãos das Cortes Laborais da 9.ª e 18.ª Regiões

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. O direito de pessoas transgêneras ao uso do banheiro em ambiente laboral: considerações críticas sobre acórdãos das Cortes Laborais da 9.ª e 18.ª Regiões. Revista de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 105-121, jan.-jun. 2020. Disponível em: https://revistas.anchieta.br/index.php/Dirdotrabalhoeprocessodotrabalho/issue/view/207. Acesso em: 25 nov. 2021.

Assédio moral: jurisprudência trabalhista

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O assédio moral à luz da jurisprudência trabalhista[1]

Hidemberg Alves da Frota

A jurisprudência trabalhista tem reconhecido o assédio moral como afronta ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inc. III, da CF/88)[2] e, em consequência, à integridade física[3], psíquica[4] e moral[5] do trabalhador, realizada pelo empregador ou por colegas de trabalho[6], ao expor a vítima “a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”[7].

Conduta identificada pela Psicologia e hoje referida pelo Direito Comparado “como mobbing (Itália, Alemanha e Escandinávia), harcèlement moral (França), acoso moral (Espanha), terror psicológico ou assédio moral entre nós”[8], traduz consequência do aumento expressivo da competitividade e do desemprego deflagrado em escala mundial pela globalização da economia, fenômeno “eivado de deslealdade e exploração, iniquidades que não repercutem apenas no ambiente de trabalho, gerando grave desnível social”[9].

Também aludido como bullying[10], o assédio moral consiste em ofensa psicológica ao “decoro profissional”[11], de maneira “intensa e insistente, cabalmente demonstrada, com repercussão intencional geradora do dano psíquico e marginalização no ambiente de trabalho”[12], a pressupor “comportamento (ação ou omissão) por um período prolongado, premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vítima”[13].

Quando praticado pelo colega de trabalho, almeja “forçar a demissão da vítima, o seu pedido de aposentadoria precoce, uma licença para tratamento de saúde, uma remoção ou transferência”[14].

Já o assédio moral do empregador se exprime quer pelo constrangimento submetido a empregado específico, “objetivando a sua iniciativa na saída dos quadros funcionais”[15], quer “na busca por maiores lucros, instando os empregados à venda de produtos, ou seja, a uma produção sempre maior”[16].

Exemplos de assédio moral do empregador:

(1) “Impor, seja de forma explícita ou velada, que a empregada ‘saia’ com os clientes ou lhes ‘venda o corpo’ e ainda se submeta à lubricidade dos comentários e investidas de superior hierárquico”[17].

(2) Criar “para o trabalhador situações vexatórias e constrangedoras de forma continuada através das agressões verbais sofridas, incutindo na psique do recorrente pensamentos derrotistas originados de uma suposta incapacidade profissional”[18].

(4) Sujeitar “o empregado a comentários humilhantes e vexatórios sobre sua produção e capacidade”[19].

(5) Invocar o “fantasma do desemprego” [20]. Trata-se da “atitude patronal que, durante cerca de um ano, lembrou e exaltou aos seus empregados que a dispensa estava iminente”[21].

(6) “Quando o empregador obriga o seu empregado a submeter-se a exame psiquiátrico além do regular e periódico, sugerindo que ele seja portador de doença mental, acatando indicação do superior hierárquico motivada na suspeita de um comportamento ‘arredio e calado’ que é atribuído ao obreiro”[22].

[1] Artigo publicado originalmente nestes periódicos jurídicos: Justiça do Trabalho, Sapucaia do Sul, v. 22, n. 260, p. 74-76, ago. 2005; Jornal Trabalhista Consulex, Brasília, DF, v. 22, n. 1.084, p. 15-16, 5 set. 2005. Versão PDF aqui.

[2] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00021-2004-097-03-00. Relator: Desembargadora Federal do Trabalho Denise Alves Horta. Belo Horizonte, 23 de junho de 2004. Disponível em: <http://www.tst.gov.br&gt;. Acesso em: 22 jul. 2005. Nesse sentido: BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00546-2003-066-03-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Heriberto de Castro. Belo Horizonte, 17 de novembro de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[3] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00021-2004-097-03-00. Relator: Desembargadora Federal do Trabalho Denise Alves Horta. Belo Horizonte, 23 de junho de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[4] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00936-2003-036-03-00. Relator: Desembargadora Federal do Trabalho Denise Alves Horta. Belo Horizonte, 12 de maio de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[5] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Quarta Turma). Recurso Ordinário. Acórdão nº 20050288894. Processo nº RO01-01531-2001-464-02-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Artur Costa e Trigueiros. São Paulo, 10 de maio de 2005. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[6] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00546-2003-066-03-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Heriberto de Castro. Belo Horizonte, 17 de novembro de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[7] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Quarta Turma). Recurso Ordinário. Acórdão nº 20030361740. Processo nº RO01-02146-2003-902-02-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Francisco Ferreira Jorge Neto. São Paulo, 22 de julho de 2003. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[8] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Segunda Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-01292-2003-057-03-00. Relatora: Desembargadora Federal do Trabalho Alice Monteiro de Barros. Belo Horizonte, 3 de agosto de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[9] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Sexta Turma). Recurso Ordinário. Acórdão nº 20040071124. Processo nº 01117-2002-032-02-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Valdir Florindo. São Paulo, 17 de fevereiro de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[10] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Quinta Turma). Recurso Ordinário. Processo RO-00227-2004-020-03-00. Relatora: Desembargadora Federal do Trabalho Taísa Maria Macena de Lima. Belo Horizonte, 27 de junho de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[11] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Primeira Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-01301-2003-011-03-00. Belo Horizonte, 16 de agosto de 2004. Relator: Desembagadora Federal do Trabalho Adriana Goulart de Sena. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[12] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00546-2003-066-03-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Heriberto de Castro. Belo Horizonte, 17 de novembro de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[13] Ibid., loc. cit.

[14] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Segunda Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-01292-2003-057-03-00. Relatora: Desembargadora Federal do Trabalho Alice Monteiro de Barros. Belo Horizonte, 3 de agosto de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[15] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Primeira Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-01301-2003-011-03-00. Belo Horizonte, 16 de agosto de 2004. Relator: Desembagadora Federal do Trabalho Adriana Goulart de Sena. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[16] Ibid., loc. cit.

[17] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Quarta Turma). Recurso Ordinário. Acórdão nº 20050288894. Processo nº RO01-015310-2001-464-02-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Ricardo Artur Costa e Trigueiros. São Paulo, 10 de maio de 2005. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[18] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Sexta Turma). Recurso Ordinário. Acórdão nº 20040071124. Processo nº 01117-2002-032-02-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Valdir Florindo. São Paulo, 17 de fevereiro de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[19] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Oitava Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00021-2004-097-03-00. Relator: Desembargadora Federal do Trabalho Denise Alves Horta. Belo Horizonte, 23 de junho de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[20] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Segunda Turma). Recurso Ordinário. Processo nº RO-00351-2004-020-03-00. Relator: Desembargador Federal do Trabalho Maurílio Brasil. Belo Horizonte, 19 de outubro de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.

[21] Ibid., loc. cit.

[22] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Quinta Turma). Recurso Ordinário. Processo RO-00227-2004-020-03-00. Relatora: Desembargadora Federal do Trabalho Taísa Maria Macena de Lima. Belo Horizonte, 27 de junho de 2004. Disponível em: http://www.tst.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2005.