ITBI e as pessoas jurídicas inativas: os critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional (3)

“[…] 3.4 A tributabilidade do ITBI relativa a pessoas jurídicas inativas

3.4.1 A jurisprudência predominante do TJ/RS

Ao regulamentar o art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, na condição de lei complementar relativa às “limitações constitucionais ao poder de tributar”, nos termos do art. 146, inciso II, da CF/88 (CARRAZZA, 1996, p. 97; MACEDO, 2010, p. 129; MACHADO SEGUNDO, 2017, p. 300), o Código Tributário Nacional, por meio dos §§ 1.º e 2.º do seu art. 37, proporciona as balizas legais para a aferição, pelo Fisco, do critério constitucional da preponderância (BRASIL, 2017d):

  1. Cinquenta por cento da receita operacional[1] da pessoa jurídica adquirente deve se relacionar à atividade preponderante (art. 37, § 1.º, 1.ª parte, do CTN).
  2. O intervalo de tempo para a Administração Tributária aferir a atividade preponderante abrange os dois anos anteriores e os anos dois anos subsequentes à aquisição (art. 37, § 1.º, 2.ª parte, do CTN).
  3. Como exceção a essa janela temporal, existe a hipótese de que a pessoa jurídica adquirente inicie suas atividades somente após a aquisição ou há menos de dois anos antes dela, circunstância em que a aferição da preponderância ocorrerá nos três primeiros anos seguintes à data da aquisição (art. 37, § 2.º, do CTN).

Controverte-se se remanescerá o direito público subjetivo a alguma das imunidades do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, caso a pessoa jurídica permaneça inativa nas janelas temporais delineadas pelo art. 37, §§ 1.º e 2.º, do CTN.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por meio, notadamente, das suas 2.ª e 22.ª Câmaras Cíveis, firmou jurisprudência majoritária segundo a qual a “pessoa jurídica não perde o benefício” agasalhado no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, “pelo fato de permanecer inativa após a transmissão do imóvel, pois a lei não condiciona a manutenção da imunidade” à “efetiva entrada em funcionamento da empresa”, conforme reafirmado em 4 de novembro de 2015, no julgamento, pela sua 2.ª Câmara Cível, da Apelação Cível n.º 70066275934, sob a relatoria do Desembargador Ricardo Torres Hermann (RIO GRANDE DO SUL, 2017b, grifo nosso).

Esse entendimento também se faz presente no seio da 2.ª Câmara Cível do TJ/RS, em outros feitos também da relatoria do Desembargador Hermann, a exemplo dos acórdãos lavrados nos autos da Apelação Cível n.º 70066275934, julgada em 4 de novembro de 2015, e da Apelação Cível n.º 70064177439, julgada em 6 de maio de 2015, bem como da decisão monocrática lançada nos autos da Apelação e Reexame Necessário n.º 70063763726, em 11 de março de 2015 (RIO GRANDE DO SUL, 2017b; RIO GRANDE DO SUL, 2017k; RIO GRANDE DO SUL, 2017l).

Já no âmbito da sua 22.ª Câmara Cível é recorrente tal posicionamento ser sufragado por meio do voto condutor da Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, tal quais os arestos do Agravo Interno n.º 70065546319, julgado em 30 de julho de 2015, e do Agravo Interno n.º 70062882931, julgado em 18 de dezembro de 2014, a par das decisões monocráticas de 29 de junho de 2015, nos autos da Apelação Cível n.º 70065399123, e de 10 de novembro de 2014, nos autos da Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70060907094, atos decisórios nos quais se assentou a linha de raciocínio de que a “pessoa jurídica não perde o direito à imunidade do ITBI pela transmissão de imóvel para integralização de capital social pelo fato de permanecer inativa no período do exame da sua atividade preponderante”, porquanto (1) “não condiciona a lei a manutenção da imunidade ao exercício das atividades após a aquisição dos bens” e (2) não cabe ao Fisco “presumir que a inatividade pela falta de exploração das suas atividades teve por escopo apenas propiciar o deslocamento de patrimônio — do sócio para a empresa — sem o pagamento do ITBI”, ou seja, aos olhos dessa corrente jurisprudencial, a inatividade da pessoa jurídica, per se, não autoriza a Administração Tributária a pressupor que houve “burla à finalidade da norma constitucional” (RIO GRANDE DO SUL, 2017c; RIO GRANDE DO SUL, 2017d; RIO GRANDE DO SUL, 2017e; RIO GRANDE DO SUL, 2017f, grifo nosso)[2].

Em igual sentido o decisum monocrático expendido pela sua 22.ª Câmara Cível, nos autos da Apelação e Reexame Necessário n.º 70050368133, em 26 de agosto de 2014, sob a relatoria da Desembargadora Adriana da Silva Ribeiro:

[…] O fato de a impetrante não ter contabilizado receitas no período de verificação da preponderância, tendo permanecido na condição de “inativa”, por si só, demonstra o atendimento dos requisitos autorizadores da concessão da imunidade, pois, além de não auferir receitas decorrentes de compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, tais atividades não integram o seu objeto social, situação que lhe confere o benefício da imunidade ora pretendido (RIO GRANDE DO SUL, 2017o).

3.4.1.1 Os casos das holdings sem finalidade empresarial

A despeito dessas reiteradas decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, mormente das suas 2.ª e 22.ª Câmaras Cíveis, em que se notabilizam a respeito do tema, lembre-se, os votos e decisões monocráticas, naquela Câmara Cível, do Desembargador Ricardo Torres Hermann e, neste órgão fracionário, da Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, há acórdãos recentes do TJ/RS segundo os quais a inatividade, durante o período de avaliação, pelo Fisco, do critério da preponderância, afasta a imunidade do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, quando a pessoa jurídica, além de inativa no interregno considerado, denota natureza jurídica de holding desprovida de propósito empresarial.

Essas achegas à jurisprudência predominante do TJ/RS foram inauguradas no Reexame Necessário n.º 70068906056, julgado pela 22.ª Câmara Cível em 28 de julho de 2016, sob a relatoria da Desembargadora Denise Oliveira Cezar, cujo voto condutor enfatizou, como cerne da sua fundamentação, a circunstância de que, embora a holding se caracterize, em geral, “pela participação societária como controladora de outras pessoas jurídicas, situação em que, compondo o quadro societário, participa a holding dos lucros das controladas”, no caso concreto daquele álbum processual “a pessoa jurídica cujo capital foi integralizado pelo imóvel em questão não participa do capital de outra sociedade, quanto menos na condição de controladora” e tem como único propósito “dar roupagem jurídica ao patrimônio familiar” (RIO GRANDE DO SUL, 2017t).

Mais adiante, em tal caso concreto, ratificou-se esse entendimento nos autos dos Embargos de Declaração n.º 70070663802, em 25 de agosto de 2016 (RIO GRANDE DO SUL, 2017r).

Em 26 de janeiro de 2017, a mesma 22.ª Câmara Cível do TJ/RS, no julgamento da Apelação Cível e do Reexame Necessário n.º 70070663059, capitaneada pelo voto-condutor do Desembargador-Relator Francisco José Moesch, valeu-se, como paradigma, do acórdão proferido por aquele órgão jurisdicional fracionário no supracitado Reexame Necessário n.º 70068906056, para assentar que “não seria razoável conceder imunidade à pessoa jurídica constituída sob a forma de holding patrimonial, cujo intuito é apenas facilitar a administração dos bens tributados que compõem o patrimônio familiar, sem propósito negocial” (RIO GRANDE DO SUL, 2017q, grifo do autor).

Em suma, levou-se em conta, em tais arestos lavrados pelo TJ/RS no Reexame Necessário n.º 70068906056, nos Embargos de Declaração n.º 70070663802 e na Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70070663059, não só a inatividade do ente societário como também a ausência do fim de exercer atividade de empresa ou outro intento negocial.

[1] “A receita operacional é aquela decorrente das atividades, principal ou acessória, que constituam objeto da pessoa jurídica. Enfim, é a receita que decorre da ‘operação’ regular da pessoa jurídica. Não operacional, por exclusão, é a receita que não advém da atividade da empresa ou de uma operação produtiva (exemplo: ganhos de capital, receitas financeiras, bônus, subvenções etc.).” (MANGIERI; MELO, 2015, p. 104, grifo dos autores)

[2] Trata-se de evolução do pensamento da Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza. Exemplo do seu posicionamento anterior repousa no julgamento, em 20 de abril de 2012, pelo 11.º Grupo Cível daquela Corte de Justiça, dos Embargos Infringentes n.º 70047992862, ocasião em que, como Relatora, capitaneou o entendimento, à época, da maioria daqueles julgadores, ao acentuar que “a inatividade da empresa no período previsto pela Lei para a apuração da preponderância não assegura a manutenção da imunidade” (RIO GRANDE DO SUL, 2017g, grifo nosso). […]”

arranha ceus

Leia o artigo completo: A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 20, n. 167, dez. 2017. Também publicado em Revista Síntese Direito Imobiliário, São Paulo, v. 8, n. 48, p. 97-135, nov.-dez. 2018.

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